segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Buala e Catembe

http://www.buala.org/pt/afroscreen/catembe-de-faria-de-almeida-em-coimbra

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Queixa da alma jovem censurada


Catembe (1965) documenta os sete dias da semana no quotidiano de Lourenço Marques. Além de Cinema Directo – usado sobretudo nas entrevistas de abertura em que Manuel Faria de Almeida pergunta a transeuntes na Baixa lisboeta o que sabem sobre Lourenço Marques –, integrou sequências de ficção protagonizadas pela mulata Catembe. Após o corte, imposto pelo Ministério do Ultramar, de 19’ dos 87’ da obra original, uma segunda versão, documental, de apenas 45’ e remontada a partir das sequências deixadas sem sentido pelos cortes efectuados, foi proibida pela Comissão da Censura. Face ao paradoxo da brutalização de um filme subsidiado pelo Fundo do Cinema Nacional, explique-se que esse apoio se enquadrou na aposta em divulgar cinematograficamente as colónias.
Catembe, a “outra banda” de Lourenço Marques, também é, portanto, nome de olhar disruptivo. Além da qualidade técnica e sensibilidade estética evidentes, o maior mérito da obra é o de propôr uma primeira interpretação crítica da realidade colonial. Não obstante o patrocínio pelo Fundo e as pressões antes da rodagem, aborda temas fracturantes: o “trabalho” (de brancos e negros), as “bifas” (e a liberdade sexual de rapazes/raparigas), o afastamento entre “intelectuais & não intelectuais”, e se há “cinema em Moçambique”. É, porém, “a poesia da outra banda”, que sintetiza a intenção do autor: revelar o esforço brutal dos negros para ganharem … quase nada.
Formatar Catembe à medida da censura era impossível. A questão fulcral foi a da diferença de olhares sobre a realidade, conhecida e questionada pelo jovem cineasta e fixada de modo conservador e enquistado pelo regime. Assim, as imagens propostas deformam o memorial fílmico constituído, sedimentado nos documentários e actualidades de propaganda, em que se baseou a representação das colónias.
Catembe figurou no Guinness Book como o filme alvo de mais cortes pela censura na história do cinema. Mutilado e censurado, além da ante-estreia para amigos em 1965, após o 25 de Abril foi mostrado apenas duas vezes na Cinemateca Portuguesa. A 27 de Novembro acontecerá, em Coimbra (mais pormenores para breve), a quinta projecção pública e, em complemento, serão exibidos 11’ dos cortes considerados perdidos que recentemente Faria de Almeida depositou no ANIM. Se a projecção é condição fundamental para que o cinema se realize, que existência teve Catembe como filme? E que futuro?

Faria de Almeida: como se perdeu um cineasta de ficção.



Membro fundador do Cine Clube de Lourenço Marques, Manuel Faria de Almeida (1934-) foi apoiado pelo Fundo do Cinema Nacional para estudar cinema na London School of Film Technique quando os seus filmes amadores começaram a ser premiados em Portugal.
O seu filme de curso Streets of early sorrow, inspirado no massacre de Sharpeville, ganhou o 1º prémio do Festival Cinestud de Amsterdão após o que fez o circuito dos cine-clubes ingleses como complemento de A dama de Xangai, de Orson Welles. Outro filme de curso, Viviana – proibido pela censura em Portugal não obstante a remontagem que o autor fez e que desvirtuou irremediavelmente o original –, foi exibido no Festival de Valladolid.
Com a melhor classificação de sempre no curso londrino de realização, é convidado para trabalhar como assistente de Tony Richardson e para ingressar no serviço de cinema das Nações Unidas. Não pode aceitar porque as condições da bolsa o obrigam a trabalhar três anos em Portugal após os estudos. É em Paris, onde estagia no IDHEC e trabalha nos arquivos da Cinemateca, que recebe o telegrama de António da Cunha Telles: “Mil parabéns. Ganhamos Catembe”. Era o anúncio que o Fundo apoiaria um projecto ambientado na capital moçambicana, que viria a ser o seu único filme de fundo.
Muito activo no movimento do Novo Cinema, Faria de Almeida obteve vários prémios com os documentários que realizou.
Foi presidente da Tobis Portuguesa entre 1974 e 1976 e do Instituto Português de Cinema, de Agosto de 1976 ao de 1977. Entrou então para o Centro de Formação da R.T.P., com o qual já colaborara e que chefiou entre 1979 e 1982. Entre 1983 e 1985 participou na criação da Televisão de Macau, onde foi director de Programas e da Formação. Novamente em Lisboa, trabalhou no lançamento da Europa TV e da RTP Internacional, tendo passado pelas Direcção de Programas e de Cooperação. É autor de várias obras sobre história do cinema e realização cinematográfica e televisiva.