sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Um filme da "frente de guerrilha"
Nascido no Porto em 1944, Joaquim Lopes Barbosa esteve ligado ao Cine-clube local desde os quinze anos. Segundo o artigo Três cineastas de Moçambique, publicado na revista em Fevereiro de 1972, a sua relação com o cinema aprofundou-se quando, ao cumprir o serviço militar obrigatório, foi integrado no Departamento de Foto-cine dos Serviços Cartográficos do Exército.
Quando Lopes Barbosa falou com a Plateia já era operador das actualidades cinematográficas Visor Moçambicano, após uma curta estadia em Angola, onde filmou “Regresso”. Questionado sobre o que representava para si a “7ª Arte”, sustentou:
“A 7ª Arte é uma forma de expressão das realidades concretas, que sinto, e deviam chegar a todos, como uma espécie de murro no estômago. Actualmente, a definição que dou ao cinema é a de que deve ser uma frente de guerrilha, actuando o mais positivamente possível, contra os tabus, as morais duvidosas e os lugares-comuns bafientos e anacrónicos.”
Em Cinema Novo português 1960-74 , José de Matos-Cruz explica que o projecto de realização de Deixem-me ao menos subir às palmeiras… se iniciou ainda em Angola e surgiu da vontade de Lopes Barbosa “transpôr para o cinema uma temática e uma estética africanas ”. Monangamba, do poeta António Jacinto , descreve as duras condições de vida dos negros contratados e inspirou o aspirante a cineasta. Em Moçambique, foi-lhe acrescentado, como influência, Dina, conto publicado, em 1964, no livro Nós matámos o cão tinhoso de Luís Bernardo Honwana.
Como o filme não foi subsidiado não houve proibição da rodagem mas houve pressões para que as filmagens fossem suspensas por quase todos os intervenientes serem negros, facto insólito no cinema local e português em geral. Lopes Barbosa e Malangatana Valente – ex-prisioneiro político e que fez uma pequena aparição no ritual fúnebre - foram interrogados pela PIDE/DGS sobre o tema do filme.
Para a recriação cinematográfica de uma temática e estética africanas Lopes Barbosa ensaia uma linguagem em que aplica processos da escola soviética, associando-a à estrutura do cinema americano, com os Bons, os Maus e uma acção que potencia o crescimento da intensidade dramática.
O filme é falado em ronga para facilitar o entendimento dos espectadores autóctones. Nas sequências em que se retrata o poder colonial, o dono da machamba e família falam em inglês o que terá sido um expediente a que se recorreu já na montagem. Pretendia-se, com isso, que a censura não visasse a obra como uma crítica ao colonialismo português por um lado, mas, por outro, não se perdesse a ligação da obra à realidade africana.
O subterfúgio não resultou. Lopes Barbosa, foi despedido da Somar Filmes em Julho de 1973 e, três meses depois, receando pela sua segurança, abandonou Moçambique.
Após o 25 de Abril de 1974 - data da Revolução que repôs a democracia em Portugal - Courinha Ramos veio a Lisboa fazer uma cópia do filme e tentar distribuir comercialmente a obra, o que não se concretizou. Esta cópia, que está depositada na Cinemateca Portuguesa, é a única completa existente após o incêndio que, em 1991, deflagrou no Instituto Nacional de Cinema moçambicano, destruindo parte da sua colecção.
Texto: Maria do Carmo Piçarra
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