sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

UMA HISTÓRIA IMORTAL - o Tchiloli (S. Tomé e Principe)

"Tchiloli é uma manifestação cultural que não teve a sua origem em S.Tomé. Existem duas versões, controversas que diz respeito ao autor da obra supracitada. A primeira, diz que a obra é francesa, passou por Espanha chegando posteriormente a Portugal. Por outro lado, temos a versão que diz que a obra terá sido escrita por Baltazar Dias, poeta cego madeirense e que foram os portugueses que a trouxeram nas suas naus para S.Tomé.

Além destas versões, existe uma, relativamente desconhecida, que postula que a obra terá vindo do Brasil para o continente africano.

Esta obra faz parte do ciclo da história de Carlos Magno. Baltazar Dias fê-la a partir das canções de gesta, isto é, da obra medieval que retratava as façanhas de Carlos Magno.

Esta obra representada por trupes de teatro convidados por mestres açucareiros do século XVI é de inspiração religiosa, e está ligada à paixão de Cristo e ao imperador Carlos Magno.

Tchiloli, nome crioulo da obra, é uma peça dramática que retrata a tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno.

Conta-nos a história de uma das personagens mais emblemáticas do contexto europeu, o Imperador Carlos Magno, que tinha como único herdeiro o seu filho D. Carloto.
D. Carloto apaixona-se perdidamente pela mulher do seu melhor amigo, Valdevinos, sobrinho do Marquês de Mântua. Tal facto faz com que D. Carloto, convide Valdevinos para uma caçada. No entanto, durante a caçada, o príncipe ataca Valdevinos pelas costas com uma navalha, causando-lhe um grande ferimento que culmina com a sua morte. Mas, antes da sua morte confessa ao pajem que quem o atacara fora o príncipe. Deste modo, a notícia espalha-se feito rastilho de pólvora, chegando até a corte do seu tio Marquês de Mântua, que, convoca a reunião de família, com o objectivo de apanhar o culpado pelo crime, e de fazer com que o mesmo pague por tal acto cruel.

Assim começa a investigação. O culpado fora descoberto através do pajem, que levava uma carta de D. Carloto ao seu tio Roldão confessando-se assassino de Valdevinos. Contudo, o Príncipe negando-se culpado tenta livrar-se da acusação que lhe pesava com a ajuda do seu advogado. Todo esse esforço em vão, pois, fica posteriormente provado que o mesmo era o culpado e que tinha ser julgado.
O imperador como alguém justo e imparcial era obrigado a prendê-lo, ainda que fosse seu filho. A rainha tenta persuadi-lo a não fazer tal coisa mas o mesmo permanece firme na sua decisão. Deste modo, a família enlutada sai ainda que triste pela morte de Valdevinos, contente por se ter feito justiça. Como forma de acabar com o conflito entre as duas famílias, o Marquês cumprimenta o imperador felicitando-o pela imparcialidade e humildade com que geriu o caso.

O Tchiloli é hoje uma manifestação cultural, que dada a sua origem demonstra muitas influências europeias, como a dança executada por exemplo pelo Ganalão. Se escutarmos com muita atenção a música, apercebemos que representa as grandes batalhas da Idade Média.

Além das influências europeias, existem também influências africanas como os instrumentos utilizados. Na inexistência dos instrumentos que eram utilizados pelos mestres açucareiros houve a necessidade de introduzirem-se instrumentos africanos. Por outro lado temos outras influências, como por exemplo, a inserção de textos falados por alguns personagens como o ministro, assim como a inserção de novos personagens, os advogados Bertrand e Anderson.

Em S. Tomé e Príncipe, como em qualquer país africano, dá-se grande importância aos ancestrais. Como tal, antes de qualquer manifestação cultural, há como que uma comunicação com os ancestrais.
Como o Tchiloli é uma manifestação cultural, não foge á regra. Antes da representação propriamente dita do Tchiloli, há rituais e costumes que antecedem o mesmo. Um dos actores do grupo e a sua família fica encarregue de preparar a comida e o vinho da palma. Nas festas religiosas, essa bebida e comida são transportadas á capela. Á frente da estátua, à volta da capela, em becos e nos quintais é depositado o vinho da palma pelo chefe do grupo, que vai pronunciando e chamando pelo nome dos ancestrais, fazendo igualmente o sinal da cruz. É também depositado o vinho da palma e os instrumentos utilizados.

É depois destes rituais que normalmente se representa o Tchiloli. Segundo os actores, com este ritual pretendem dar ânimo ao grupo e chamar os ancestrais a estarem presentes na actuação.

À semelhança de outras manifestações culturais existentes no país, o Tchiloli é acompanhado por um conjunto de instrumentos que enfatizam e demonstram que a peça foi aculturada. Pois, quem ouve o Tchiloli parece ter a sensação de estar a ouvir um som da idade média"

Texto retirado de http://stomepatrimonio.blogspot.com/2008/03/tchiloli.html

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

How long will he be submissive?

A tripude to Yervant Gianikian and Angela Ricci Lucchi's films. The March of Man utilises ethnographic footage slowed down to a majestic pace, overlaid with splendid colour and punctuated with penetrating texts. Presented as Video installation in the Venice Biennal of art, 2001 edition.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O cinema que cada humanidade merece

“Cada humanidade terá, pois, o cinema (e a história) que merece; e por isso se torna fundamental o papel da análise: para repôr como as pessoas viam, o que viram, com o olhar consciência no tempo em que o viram. Porque, afinal, é esse olhar que se encontra depositado no interior das ‘latas dos filmes’” (Grilo, João Mário: Lição de Agregação)

Imagem: Chaimite, de Jorge Brum do Canto (1953)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Arqueologia do filme e memória do século


Na entrevista que Youssef Ishaghpour fez a Godard e que resultou na publicação de Cinema, diz Ishaghpour sobre o cinema no século e o século no cinema:
"So it's about cinema in the century and the century in cinema. This, as you say, is because cinema consists of a particular relationship between reality and fiction. And since its power made cinema the century's manufacturing plant, or in your words made 'the twentieth century exist', it's as important as any major historical event, and can take its place along the other on that basis But since those events were determined partly by cinema, and were also filmed for cinema newsreels, they're an integral part of cinema, and because, as history, those events acted on the destiny of cinema, they're part of cinema history. History of cinema, History of the News, actuality of History", as you say many times."

HISTOIRE(S) DU CINEMA Chapter1A - Toutes les Histoires(All the Histories)-1/6

Histoire(s) du Cinèma


Uma história do cinema e uma história do século XX, uma no interior da outra, ao longo de quatro horas e meia. Um filme, quatro filmes e oito filmes; uma obra completa portanto, dividida em quatro capítulos que abrem para duas secções cada. Godard criou Histoire(s) du Cinéma num período de doze a treze anos, entre meados dos anos oitenta e 1998, no estúdio em Rolle, na Suiça, onde o cineasta vive e trabalha desde finais dos anos 70. Interrompindo por outros compromissos e por dificuldades com produtoras de TV, o resultado - diz Godard - beneficiou destes atrasos. Trata-se de uma montagem densa de excertos de filmes de toda a história do cinema, mas também de fotografias, reproduções de pinturas, comentadas por legendas, por pedaços de banda sonora também ela compósita (poemas, discursos gravados, etc.) a que se sobrepõe a voz do autor. A palavra a Godard: "It's eight films combined in one, both together. It came like that. But it's eight chapters of a film that could have had hundreds of others, and even more appendices, like the footnotes that are often more interesting to read than the actual text..."

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Gabinete do Dr. Caligari, Part 1

Quando, adolescente, comecei a frequentar a Cinemateca Portuguesa, o expressionismo alemão impressionou-me vivamente. O Gabinete do Dr. Caligari, que inicialmente era suposto ser realizado por um dos meus realizadores favoritos, Fritz Lang, impôs-se pelos cenários e pela iluminação, claro, mas também pela estranheza da história deste sonâmbulo manipulado por Caligari. Advertência: esta versão, disponível no You Tube, propõe uma banda sonora que não é a original.

De Caligari a Hitler


Escrito em 1948, "De Caligari a Hitler - Uma histórica psicológica do filme alemão", de Siegfried Kracauer, continua a ser uma obra chave para a compreensão dos cinemas nacionais e da história das mentalidades. Se "La Projection Nationale", de Jean-Michel Frodon (director dos Cahiers du Cinèma), é incontornável para mim, no âmbito do estudo que estou a fazer, a obra de Kracauer é uma chave para a compreensão de como o cinema traduziu disposições mentais desde o início da sua história. E tem a enorme qualidade de olhar para os filmes sem os isolar uns dos outros mas em relação, assumindo-os tal como são: fruto de uma arte colaborativa por excelência.

Fica uma pequena nota biográfica do autor. Judeu, que colaborou em revistas para onde Walter Benjamin escreveu e de quem Adorno confessou ser uma referência para o seu pensamento, também ele teve de exilar-se nos EUA, após a subida dos nazi ao poder, e foi acolhido pela academia americana.

O que segue são apontamentos do seu pensamento.

I. Luz e cenários.

Foi o talento dos realizadores alemães na criação de uma esfera visual - cenários impressionantes e disposição da acção com a luz adequada - que se impôs como traço característico do filme alemão entre guerras, não obstante a mudança de temas e modos de representação cinematográfica. O facto de serem macabros, sinistros, também os caracterizou mas não foi por essa via que deixaram uma marca profunda na história do cinema. O contributo dos alemães para a autonomia de movimentos da câmara também se impôs, sobretudo para os conhecedores. Mas não há nenhum especialista que não reconheça o poder organizacional operativo nestes filmes - uma disciplina colectiva contributiva para a unidade narrativa assim como para a integração perfeita das luzes, cenários e actores. Numa expressão de respeito, Hollywood contratou todos os realizadores, técnicos e realizadores que pôde. Mas também o cinema francês e o cinema russo - e este foi marcado sobretudo ao nível da iluminação - foram influenciados pelo filme alemão.
Quando escreve, em 1948, Siegfried Kracauer constata que a admiração e imitação não precisam de basear-se no respeito mútuo. E afirma que tudo o que se escreveu, eminentemente estético, sobre o cinema alemão, e as tentativas de análise das suas excepcionais qualidades e para uma compreensão dos problemas inquietantes levantados pela sua existência, lida com os filmes como se se tratassem de estruturas autónomas.

II. Filmes Nacionais

Kracauer constata que os filmes de uma Nação reflectem a sua mentalidade de modo mais directa do que outros modos de expressão artística por duas razões:

1. os filmes nunca são o produto de um indivíduo. Kracauer evoca Pudovkin quando este enfatiza o carácter colectivo da produção de filmes identificando-o com a produção industrial e sublinhando o necessário trabalho de equipa.
2. os filmes dirigem-se à multidão anónima. Pode supôr-se que os temas cinematográficos populares supostamente devem satisfazer desejos existentes das massas. Kracauer comenta a opinião segundo a qual Hollywood oferece às pessoas filmes que estas não querem realmente, persuandido-as por via da passividade destas e através da publicidade. Mas o autor diz que não deve sobrevalorizar-se a distorção introduzida pelo cinema de entretenimento de massas de Hollywood. O manipulador depende das qualidades inerentes do seu material e até os filmes de propaganda de guerra nazi oficiais, não obstante serem pura propaganda, espelhavam certas características nacionais que não podiam ser fabricadas. Isso aplica-se com mais propriedade ainda a uma sociedade competitiva. Hollywood não pode dar-se ao luxo de ignorar a espontaneidade do público. A indústria cinematográfica, interessada vitalmente no lucro como está, tem de ajustar-se, tanto quanto possível, às mudanças do “clima mental”. As audiências americanas recebem o que Hollywood quer que elas queiram mas, no longo prazo, o público determina a natureza dos filmes de Hollywood.

III. Filmes como reflexos de disposições psicológicas

O que os filmes reflectem não são tanto crenças explícítas quanto disposições psicológicas - essas camadas profundas da mentalidade colectiva que se desenvolvem mais ou menos abaixo da dimensão da consciência. Kracauer afirma que as revistas populares, os bestsellers, a moda, etc. também dão informação valiosa sobre atitudes predominantes, e tendências interiores. No entanto, o autor considera que o cinema excede essas outras fontes em profundidade.
Devido ao trabalho de câmara, montagem e a outros mecanismos cinematográficos, os filmes são capazes e mesmo obrigados a perscutar todo o mundo visível. Isto resulta no que Erwin Panofski definiu como a “dinamização do espaço”. “ Num cinema... só fisicamente é que o espectador tem um lugar fixo... Esteticamente, está em movimento permanente, à medida que o seu olho se identifica com a lente da câmara que muda permanentemente em distância e direcção. E o espaço apresentado ao espectador é tão móvel quanto o próprio espectador. Não apenas corpos sólidos se movem no espaço, mas o próprio espaço se move, mudando, revirando-se, dissolvendo-se e recristalizando-se...”.