segunda-feira, 23 de agosto de 2010

"O modo português de estar no mundo" em actualidades cinematográficas de propaganda - II


O Jornal Português foi a primeira revista de actualidades cinematográficas produzida continuamente em Portugal embora com uma certa irregularidade, devida aos custos do cinema, demasiado caro para Salazar. Apesar de se anunciar como uma revista mensal, teve apenas 95 edições até 1951 – uma média de sete números por ano. Não obstante, com o financiamento do secretariado da propaganda estatal, foi filmada pelos mais conceituados operadores da época e dirigida por António Lopes Ribeiro.
Com o afastamento de António Ferro do Secretariado Nacional da Informação (SNI) foi também interrompida a produção do Jornal Português, tendo o género regressado, com apoio estatal pelo mesmo organismo e com os mesmos propósitos, em 1953, com Imagens de Portugal.
A primeira série de Imagens de Portugal, também com direcção de António Lopes Ribeiro, compreendeu a produção, contínua e quinzenal, de 135 números de actualidades. A mudança de direcção, que nesta segunda série passou a ser assegurada até ao número 223 por Perdigão Queiroga, coincidiu com a substituição de Eduardo Brazão como director do SNI por César Moreira Baptista. Finalmente, foi a Tobis a produzir a terceira série da revista, até à edição 449, estreada em Janeiro de 1970.
Ao longo do Jornal Português, Portugal de Além-Mar teve escasso valor-notícia e nunca foi filmado. Em termos de política interna refiram-se cinco tipos de acontecimentos abordados: partidas e regressos das colónias do Chefe de Estado, tomadas de posse de funcionários administrativos coloniais, comemorações de feitos históricos e homenagens e funerais de figuras coloniais de relevo. No que concerne à política externa estritamente colonial, destacam-se contactos diplomáticos privilegiados com a União Africana e a defesa militar de territórios durante a II Guerra Mundial. O desporto, com enfoque colonial, é alvo de uma notícia – aborda a “renovação do pugilismo em Portugal” por moçambicanos e é uma das únicas duas reportagens em que “assimilados” ou indígenas figuram ao longo desta revista.
Com o início de Imagens de Portugal, em 1953, o que muda na abordagem das questões coloniais feita pelas actualidades?
Continua, na primeira série, a escassez das notícias relativas a desporto ou cultura. É dada maior importância – também relativa porque residual - às homenagens e efemérides envolvendo figuras que se destacaram pela acção nas campanhas militares de África do século precedente ou pela acção evangelizadora.
Pela primeira vez na história das actualidades de propaganda do Estado Novo, há uma situação de conflito que visa Portugal e por isso a questão de Goa é, quanto à temática colonial, a mais noticiada. A actualidade “ultramarina” continua, no entanto, a não ser notícia por si. Não se noticiam acontecimentos que tenham as colónias como cenário; apenas os assuntos coloniais administrados ou evocados na metrópole. Só as viagens presidenciais são filmadas no local.
É no âmbito destas viagens presidenciais que os indígenas figuram nas actualidades cinematográficas, excepção feita aos aniversários de Salazar no poder, em que são trazidos régulos de vários locais para comprovar a unidade do território.
Na segunda série de Imagens de Portugal o conflito com a União Indiana continua a ser tema forte da política nacional mas para o final é ofuscado pela escalada de conflitos e partida de tropas para Angola. Dá-se então o aumento de notícias na área cultural bem como a inclusão de notícias sobre educação e as colónias e os seus habitantes começam a tornar-se alvo de interesse para as actualidades.
A terceira série de Imagens de Portugal abrange um longo período - que vai desde o início da guerra colonial até ao segundo ano de governação de Marcelo Caetano. Nela, as colónias são notícia quase todos os números das actualidades. O “Ultramar” torna-se central na política nacional e não se reporta acontecimento nesta área em que não se aluda ao mesmo. O segundo tema mais noticiado nas Imagens é a Guerra. Está presente em todas as comemorações e efemérides mas é directamente abordada nas notícias sobre os exercícios de tropas, modernização do exército e condecorações a militares e a civis, por combate ao “terrorismo”. A abordagem da Guerra é seguida de perto por outra, a da Economia e Progresso das colónias. Procura-se ilustrar o investimento no desenvolvimento dos sectores agrícola, industrial e turístico como prova que Portugal assume a “responsabilidade de Nação civilizadora” além da aposta na unificação económica dos territórios considerados portugueses.
Acontecimentos culturais, notícias desportivas e educativas relativos às colónias repartem, com alguma proporcionalidade, a divulgação neste longo período da série de actualidades estatal.
Em suma, se os portugueses das colónias não figuram nas primeiras actualidades estatais de propaganda, a situação é corrigida progressivamente. Tal ocorrência está directamente ligada à eclosão da Guerra e à necessidade de, internamente, promover a imagem de um país plurirracial, pluricultural e pluricontinental. Estas designações são usadas frequentemente a partir da segunda série de Imagens de Portugal e são usadas, sobretudo na terceira série, num esforço claro de apropriação – e de conformação - do luso-tropicalismo ao ideário do Estado Novo e de superação da visão antropobiológica dominante, óbvia no 1º Congresso Nacional de Antropologia Colonial, em 1934.
Em simultâneo, também os territórios coloniais são desvendados nas belezas naturais, mas, sobretudo, quanto ao desenvolvimento civilizacional trazido pelos portugueses através das reportagens sobre escolas, barragens, portos, fazendas agrícolas, etc. Quanto à figuração de colonos e indígenas, bem como dos territórios coloniais, são, porém, as viagens presidenciais que conformam o memorial fílmico colonial.

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